domingo, 23 de março de 2014

RESPONDENDO EM VERSOS: MARIA SABINA

MARIA SABINA    




A revista O Cruzeiro publicou em 1932 uma série de reportagens abordando quatro poetisas brasileiras. Da autoria de Padua de Almeida, Um Inquerito Pantheista e Sentimental entre as mais notaveis figuras femininas na arte e literatura brasileiras, trazia algumas perguntas respondidas pelas artistas enfocadas. O mais interessante é que todas as perguntas foram respondidas em versos

Eis a matéria (copiada do original):


Um Inquerito Pantheista e Sentimental entre as mais notaveis figuras femininas na arte e literatura 


A artista e a intellectual brasileiras tem o espirito voltado para a contemplação da natureza e o sentimentalismo?
Eis o que, em oito perguntas "O CRUZEIRO" tenciona desvendar aos leitores, nesta "enquête" a que chamamos pantheistica e sentimental.
Fazer uma "enquête" para conhecer-se uma alma é como abrir uma janella sobre uma paysagem: nunca deixa de trazer um pouco de belleza, de luz e de imprevisto aos nossos olhos.
E ha almas que são verdadeiros panoramas. Descerram-se até ás distancias mais longinquas, mostrando ora o seu pessimismo, que nos dá a idéa de montanhas altas entre brumas, ora o seu amor á vida ambiente, que nos faz recordar vegetação, passaros e sol.
Imaginando essas cousas é que resolvemos lançar esta "enquête". Ella nos vae descortinar, de um modo suave e pittoresco, a sensibilidade e a indole contemplatica de algumas das mais expressivas artistas e intellectuaes brasileiras.

Como dissemos, compõe-se de oito perguntas o questionario que distribuimos a varias damas e senhorinhas cuja vida intellectual e artistica é amplamente conhecida, pois os seus nomes estão quasi sempre á baila nas chronicas de arte e literatura dos nossos periódicos.


Questionário

a) Em que paiz do mundo desejaria viver? Em uma terra glacial ou numa região inundada constantemente de sol?
b) Que estação do anno prefere? E qual a que está mais de accordo com a sua sensibilidade?
c) A observação lhe parece mais util e interessante que a leitura?
d) Que hora do dia lhe agrada mais? Porque?
e) Gosta mais dos céos estrellados que das noites de tempestade?
f) A humanidade lhe desperta maior attenção que a natureza?
g) Que mais a suggestiona: o silencio ou a palavra?
h) Em seu temperamento, a illusão do amor vencerá a illusão da gloria?


Resposta da senhorinha Maria Sabina


a) - Sómente em Minha Terra, onde o sol millionario,
      perdulario,
      esbanja luz e côr,
      quero sempre viver, longe da neve,
      corpo crestado, alma cantante e leve
      vestida de esplendor!

b) – Sendo Filha do Sol, quando a festa sonóra
       das cigarras começa, annunciando o Verão,
       minha alma, num perfume, se evapora  
       como a flor tropical na sua floração...

c) -   Leitura... Iniciação espiritual... Delicia
        de pensar, de sentir
        o que aos outros já foi ou tormento ou caricia
        e o que elles nos quizeram suggerir...
        Mas, melhor do que o livro mais profundo,
        mais bella, mais vibrante, mais brutal,
        é a Vida prescrutada bem no fundo, 
        porque é real

d) - Dentre as horas do dia uma hora existe
      entre todas mais languida e mais triste..
      Hora em que o Sol, batalhador vencido
      na arena, como heróe, rola ferido:
      golfa-lhe o sangue generoso e quente
      e a purpura do céu vae, lentamente,
      em belleza e doçura se apagando,
      em cinzas e lilazes desmaiando...
      É a Hora da Saudade que suggere
     uma angustia imprecisa que nos fére
     e á tona da nossa alma vem subindo
     o que era bom e estava em nós dormindo...

e) - A alma contemplativa, absorta e solitaria
      que ás vezes mora em mim
      gosta de se perder pela poeira dos astros
      para sondar o espaço, absorver o infinito,
      prender o ouro do céu nos recessos do sonho...
     Conto as estrellas com o olhar tristonho
     pelo espaço sem fim, 
     e, ao ver tanta riqueza perdularia,
     como me sinto só, pequenina, de rastros
     sobre a terra, perdida, a rolar na amplidão!
     Mas, quando a alma rebelde e tumultuosa
     desperta em mim, num revoltado grito,
     amo o tropel das nuvens e dos ventos
     perseguidos de raios e trovão!
     Sinto então minorados meus tormentos,
     e a minha angustia menos tormentosa,
     quando posso sentir minha Saudade
     dilacerada pela tempestade.

f) - A Natureza é para o meu egoismo
     um estranho delirio de belleza:
     em mim vive um perpetuo pantheismo
     maravilhado pela Natureza!
     Mas, quando, finalmente,
     alma contricta, volto á humanidade,
     sinto vibrar em mim, profundamente,
     o sentimento da fraternidade.

g) - SIlencio... quanto mais suggeres que a palavra!
      Tua eloquencia estranha é persuasiva,
      tem tanta força em sua imprecisão!
      Falas melhor de tudo quando lavra
      no recondito da alma inquieta e viva,
      perturbas muito mais o coração...
      Silencio... para as almas foste feito:
      tudo o que é bello ou máu em nosso peito
      fala melhor, se tudo se calou...
      É no silencio que melhor se pensa;
      no silencio a saudade se condensa;
      sempre em silencio é que melhor se amou.

      O silencio foi feito para a preçe;
      é no silencio que a nossa alma tece
      a trama singular das illusões...
      É no silencio que melhor se chora;
      é no silencio que melhor se adora
      e em silencio se falam os corações...

h) - Illusão da gloria... Como vencerias
      neste coração que nunca te almejou?
      Illusão do amor... Ai! Como voltarias
      se este coração a tudo renunciou?










Agradecimento ao Arquivo Nirez








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